Pontífice mudou regras e gestão da instituição financeira, que foi acusada de acobertar lavagem de dinheiro e operações ilícitas
O pontificado de Francisco não ficará marcado apenas pela abertura de portas da Igreja Católica para os mais pobres e a adoção de valores progressistas desta época. O primeiro papa latino-americano fez uma reforma profunda em uma área que gerou escândalos recentes: o Banco do Vaticano.
Durante décadas, a Santa Sé foi encarada com cuidado redobrado por autoridades internacionais que combatem crimes financeiros. Tudo por causa de três letras: IOR. Essa é a sigla em italiano para o Instituto para as Obras de Religião – mais conhecido como Banco do Vaticano.
Sob o manto protetor da Igreja, órgãos internacionais não conseguiam avançar com a busca de informações sobre transações financeiras de pessoas ligadas ao Vaticano com o resto do mundo.
Fundado em 1942, o IOR nasceu com o objetivo de “zelar pela guarda e administração dos bens transferidos ou confiados por pessoas físicas ou jurídicas, destinados a obras religiosas ou de caridade”. Em outras palavras, é o cofre do Vaticano.
Apesar de tão nobre missão, a instituição financeira não tinha – até então – controles operacionais considerados adequados. Falta de transparência e negligência na movimentação de recursos eram apenas algumas das acusações contra o banco, que ignorava suspeitas de lavagem de dinheiro e outras atividades ilícitas.
Quando o argentino Jorge Mario Bergoglio adotou no nome Francisco, a reforma do IOR passou a ser uma missão no Vaticano.
A primeira medida veio já em 2013 – primeiro ano do pontificado, quando o Banco do Vaticano passou por um pente-fino comandado pela recém-criada autoridade de fiscalização financeira dentro da Santa Sé.
Os números oficiais nunca foram divulgados, mas há relatos de que cerca de 5.000 contas foram fechadas por não estarem em conformidade com as regras internacionais, como documentação desatualizada ou falta de relação institucional com a Igreja.
Ao mesmo tempo, o Banco do Vaticano passou a fazer algo básico que era ignorado até então: um balanço anual. A partir do mesmo ano de 2013, a instituição passa a publicar relatórios anuais em linha com a norma internacional de relatórios financeiros, a IFRS. A norma é usada pelos bancos de todo o mundo, inclusive no Brasil.
Além das normas contábeis, o Banco do Vaticano passou a ser tratado quase como uma empresa de capital aberto ao começar a publicar comentários da administração sobre o resultado e detalhar itens como a gestão de riscos.
Dentro do banco as mudanças foram profundas, mas a reforma financeira de Francisco também envolveu a Santa Sé.
Desde 2015, o Vaticano, como Estado, assinou vários acordos de cooperação internacional para a troca de informações sobre instituições, empresas e pessoas com negócios no banco. Itália, União Europeia e Estados Unidos passaram a ter detalhes sobre as transações e, assim, foi possível cruzar dados – como acontece com basicamente todos os demais países do mundo.
Em 2019, o papa Francisco aprovou outra grande mudança: um novo estatuto para o IOR. O documento substituiu o anterior, de 1990, elaborado por João Paulo II. A grande mudança foi a introdução de um auditor externo para acompanhar os números do Banco do Vaticano – outra regra básica no mundo das empresas. Esse trabalho, até então, era feito por três auditores internos.
No mesmo documento, Francisco fez questão de deixar a marca social e a lembrança com os mais pobres. O estatuto não poderia ser mais claro ao citar que a instituição financeira continuará “a realizar investimentos destinados a apoiar o desenvolvimento dos países mais pobres, com escolhas consistentes com a concretização de um futuro sustentável”.
O documento prevê, ainda, “a realização de muitas atividades beneficentes e sociais, por meio de doações financeiras e do aluguel de imóveis de sua propriedade a preços baixos ou da oferta gratuita a entidades que buscam objetivos sociais”.
A reforma financeira feita nos últimos anos é exatamente o que ele defendeu em 2013, na chamada “Alegria do Evangelho”, o primeiro grande documento produzido por Francisco.
“Uma reforma financeira que tivesse em conta a ética exigiria uma vigorosa mudança de atitudes por parte dos dirigentes políticos, a quem exorto a enfrentar este desafio com determinação e clarividência”, escreveu Francisco.
Repórter econômico desde 2000. Ex-Estadão, Folha de S.Paulo, Valor Econômico e Gazeta Mercantil. Paulistano, mas já morou em Brasília, Londres e Madri
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