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Bolsonaro mira revisão criminal na 2ª turma do STF; veja se é possível

Estratégia se apoia em artigos do regimento interno da Corte.

Bolsonaro mira revisão criminal na 2ª turma do STF; veja se é possível

Nos últimos dias, a imprensa repercutiu que a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro pretende tentar uma revisão criminal na 2ª turma do STF. A estratégia, segundo noticiado, estaria apoiada nos arts. 76 e 77 do regimento interno do STF.

 

Em linhas gerais, a ideia seria aguardar o julgamento dos embargos de declaração já opostos na 1ª turma - cuja rejeição é considerada provável - para, após o trânsito em julgado, tentar deslocar a análise da revisão criminal à 2ª turma, com base nos dispositivos mencionados.

 

A tese, contudo, é de aplicação restrita e interpretação sensível, por depender de uma leitura bastante específica do regimento.

 

Entenda, ponto a ponto, a seguir.

 

Compreendendo os artigos

 

Os dispositivos mencionados integram o capítulo do regimento interno do STF que trata da distribuição de competências na Corte. Veja a íntegra da redação:

 

"Art. 76. Se a decisão embargada for de uma Turma, far-se-á a distribuição dos embargos dentre os Ministros da outra; se do Plenário, serão excluídos da distribuição o Relator e o Revisor.

 

Art. 77. Na distribuição de ação rescisória e de revisão criminal, será observado o critério estabelecido no artigo anterior."

 

À primeira vista, a redação pode sugerir a possibilidade de redistribuição do caso para outro colegiado.

 

No entanto, uma leitura mais detida revela que o art. 76 se refere, na realidade, aos embargos infringentes - espécie recursal que não se aplica ao caso de Bolsonaro.

 

Como já explicado por Migalhas em outras oportunidades, esse tipo de recurso só é cabível quando há, no mínimo, dois votos absolutórios no julgamento, hipótese que não se verificou nas condenações relacionadas à chamada "trama golpista".

 

Nessas situações, os embargos infringentes seriam distribuídos à outra turma, justamente para garantir reexame imparcial da divergência.

 

Já o art. 77 apenas repete o mesmo critério de distribuição para ações de natureza revisional, como a ação rescisória e a revisão criminal, sem, contudo, alterar a competência do plenário para julgá-las.

 

Trata-se, portanto, de uma regra de organização interna da Corte, e não de um mecanismo para transferir o julgamento a outro colegiado.

 

Com a palavra, especialistas

 

A interpretação dos dispositivos é reforçada pelo criminalista Bruno Salles.

 

"Embora o art. 76 utilize a expressão 'decisão embargada' de modo genérico, sua leitura em conjunto com outros dispositivos demonstra que a redistribuição só se aplica aos embargos infringentes admitidos, e não aos embargos de declaração", afirma.

 

Ele destaca ainda que o art. 335, §3º, do regimento faz remissão direta ao art. 76 apenas no contexto dos embargos infringentes.

 

"Portanto, a regra de redistribuição só incide se o recurso for admitido como embargos infringentes. Fora dessa hipótese, a competência permanece com o relator e com a mesma turma."

 

Quanto à eventual revisão criminal, Salles observa que o próprio regimento atribui competência originária ao plenário para processar e julgar esse tipo de ação (art. 6º, I, b), o que afasta a tese de redistribuição automática entre turmas.

 

"A revisão criminal só pode ser proposta após o trânsito em julgado. E mesmo que a distribuição recaia sobre ministro de outra turma, o julgamento ocorre no plenário. A redistribuição não altera o órgão competente para julgar", explica o advogado.

 

O criminalista Aury Lopes Jr. acrescenta que, até o momento, nenhum dos processos relacionados aos atos golpistas foi deslocado de turma.

 

O padrão decisório do Supremo, segundo ele, tem sido o de manter os embargos de declaração no mesmo colegiado responsável pela condenação.

 

"Nenhum caso chegou à 2ª turma. Os embargos de declaração permanecem com o mesmo relator, e os embargos infringentes, além de incabíveis, têm sido sumariamente indeferidos, como já ocorreu em situações anteriores."

 

Dessa forma, ainda que a defesa de Bolsonaro invoque os arts. 76 e 77 do regimento Interno, a interpretação estrita do texto e o histórico jurisprudencial do STF indicam que não há base normativa para o deslocamento automático do caso.

 

No modelo vigente, os embargos seguem com turma que proferiu a condenação, e eventual revisão criminal, se cabível, deverá ser apreciada pelo plenário.

 

Estratégia

 

A 2ª turma do STF é, hoje, o colegiado considerado mais favorável ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

 

Com a recente ida do ministro Luiz Fux para a turma, consolidou-se uma maioria de perfis com afinidade ideológica nas ações relacionadas aos atos de 8 de janeiro.

 

Agora, além de Fux, a turma conta com os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

 

Nesse contexto, a tentativa da defesa de levar a revisão criminal à 2ª turma parece ter menos fundamento técnico e mais cálculo político-jurídico: uma estratégia voltada a submeter o caso a um colegiado potencialmente mais receptivo a teses revisionais e mitigadoras da responsabilidade penal.

 

 

 

 

 

 

 

link: https://www.migalhas.com.br/quentes/443282/bolsonaro-mira-revisao-criminal-na-2-turma-do-stf-veja-se-e-possivel

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