Para prolongar o sexo, drogas. Para deixar o cigarro, o vape. Para se distrair e ganhar dinheiro, as bets. É junto com essas crenças disfuncionais que as “novas” dependências têm avançado no Ceará e no Brasil, afetando de adolescentes a idosos e se tornando questões de saúde pública.
Os riscos do sexo estimulado por psicoativos, o “chemsex”; do vício em apostas online, como bets e “tigrinhos”; e do consumo exacerbado de nicotina por meio de cigarros eletrônicos, os vapes, foram alertados por psiquiatras durante o Brain 2025 – Congresso de Cérebro, Comportamento e Emoções, sediado em Fortaleza, entre 18 e 21 de junho.
Legenda: Plataformas de apostas atraem mais jovens por meio de estratégias de games e tecnologia
Foto: Body Stock/Shutterstock
Jogos de azar não são novos. Nem nasceram digitais. Vide o “jogo do bicho”, criado ainda no século XIX. O problema agora é outro: o vício está na palma da mão. Com a legalização das bets e jogos online, o chamado “jogo patológico” volta à tona – e aos consultórios médicos.
O psiquiatra clínico e forense Thiago Henrique Rosa definiu, em palestra no Brain, que o ato de apostar nesses jogos de azar “coloca algo de valor em risco com a expectativa de ganhar algo de maior valor” – gerando um círculo vicioso de perdas.
A dependência, então, passa a se estabelecer e ser motivada por estados e sentimentos negativos, como angústia.
“A pessoa aposta ao se sentir angustiada, com emoções negativas, até na tentativa de regulá-las. Outra coisa é perseguir as perdas: ela perde e começa a tentar recuperar por meio do próprio jogo, mas sabemos que isso não acontece”, lamenta.
Se o “jogo do bicho”, por exemplo, atrai em geral pessoas mais velhas, as bets e jogos de azar online atingem camadas ainda mais preocupantes. A maioria das pessoas que desencadeiam dependência é de homens – “mas há mais adolescentes e mulheres jogando”, como observa Thiago.
“Houve uma grande mudança recente nesse comportamento. Os jogos têm se transformado pelas inovações tecnológicas. Tem várias estratégias de gamificação, de aplicativos, atraindo principalmente adolescentes”, comenta o psiquiatra.
“Adolescentes têm vulnerabilidade importante, com mais chance de desenvolver a patologia, as métricas de jogo de risco. Usuários de bets tendem a desenvolver mais isso também em comparação com outras formas de gambling (jogos de azar)”, analisou Thiago, durante apresentação.
25,9%
da população brasileira de 14 anos ou mais já apostou pelo menos uma vez, e bets já são o segundo tipo de “gambling” mais frequente, segundo pesquisa divulgada pelo psiquiatra.
O especialista observa ainda que, além da legalização das apostas esportivas, em 2018, “a cultura dos influencers tem um papel muito relevante nisso”. “Quem gosta de esporte e vê comentaristas esportivos fazendo publicidade de bets, num claro conflito de interesses, confia e começa a apostar”, alerta.
A “chegada” à dependência pode ter múltiplas causas, explica o médico – e também consequências. “Os jogadores de risco têm quatro vezes mais risco de suicídio. É um fenômeno intimamente conectado”, lamenta Thiago, atribuindo como alguns dos fatores “o endividamento e a vergonha, que dificultam a procura por ajuda”.
A busca por prazer de outras naturezas também tem virado cenário de dependência: o sexo químico (chemsex), “que é quando a pessoa utiliza voluntariamente uma substância para aumento da performance no sexo e do tempo de realização do ato”, como explicou a psiquiatra e pesquisadora Maria Amália Pedrosa, em entrevista ao Diário do Nordeste no Brain.
O maior problema é que “as substâncias têm um grau de dependência gigantesco, então uma a cada três pessoas que realizam sexo químico acabam tendo a evolução para um transtorno por uso de substância”, revela Amália, que atua no Instituto Perdizes do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Entre as drogas mais utilizadas no chemsex está a metanfetamina, que gera alto grau de dependência e se associa a transtorno de ansiedade, quadros de humor e até psicose, como cita a pesquisadora.
Amália destaca que alguns prejuízos estão diretamente relacionados ao tempo da relação sexual, já que “a pessoa às vezes fica dias no ato” sob efeito de drogas – mas eles vão além, atingindo em cheio o bem-estar físico e mental e causando um complexo problema de saúde pública.
“A importância do sexo químico na saúde pública é o aumento de infecções sexualmente transmissíveis. Quando a pessoa está sob influência do uso de substâncias, ela toma menos as precauções necessárias em relação à proteção no sexo, gerando aumento de casos de HIV, sífilis, hepatite C e outras doenças”, lista Amália.
Além do uso de preservativos, a médica cita que a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) e a PEP (Profilaxia Pós-Exposição) também são negligenciadas quando o indivíduo tem relação sexual sob efeito de substâncias químicas.
Legenda: Consumo de drogas para aumentar tempo e performance do sexo gera dependência química e expõe usuários a infecções sexualmente transmissíveis
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O público predominante na prática são os homens que fazem sexo com homens, sob o intuito de “aumentar o prazer ou prolongar do ato”. Por outro lado, o chemsex expõe uma chaga social: o uso de substâncias por mulheres para “conseguir lidar com a prostituição”.
“Então, em algumas situações de extrema angústia que estão associadas à prostituição, a pessoa às vezes utiliza a substância para suportar aquela situação”, exemplifica Amália, frisando que o problema afeta tanto mulheres cisgênero (nascidas com sexo biológico feminino) como transexuais e travestis.
A psiquiatra observa que o combate ao sexo químico é difícil, já que, muitas vezes, “o paciente não está disposto a se tratar”. “Precisamos trabalhar sem estigma. Nosso papel é fazer a psicoeducação, falar dos riscos associados e das formas de mitigar”, sentencia.
Legenda: Usar vape para "parar de fumar" é mito arriscado, alertam especialistas
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Outra dependência que avança entre adultos e adolescentes é o uso de cigarros eletrônicos, os “vapes”, cuja maior impulsionadora “foi a ideia de fumar sem causar malefícios”, como destacou o psiquiatra e professor João Maurício Castaldelli, durante palestra.
“Mas infelizmente as evidências são muito conclusivas pro potencial de dependência à nicotina, pra lesões respiratórias, questões cardiovasculares, possível câncer, alterações psiquiátricas e cognitivas de médio ou longo prazo. Não é isento de riscos”, frisou.
A ideia, porém, se consolida, e associada à tecnologia atrai mais jovens ao “vaping”. “O maior complicador é que temos muitos que não fumavam cigarros e começaram com os vapes. Os pods descartáveis ganham muito espaço, com mostrador digital, bateria, nível. Têm apelo de compra muito grande”, lamenta o médico.
A comercialização, importação e propaganda de todos os tipos de dispositivos eletrônicos para fumar são proibidas no Brasil desde 2009, conforme a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O sabor e odor distintos do cigarro tradicional, a menor percepção de risco e a influência social que motivam o uso dos vapes se unem, ainda, a outro mito grave. “Muitos adultos usam como forma de parar de fumar. Mas 80% das pessoas estacionam no vaping, mantendo o consumo de nicotina”, revela Castaldelli.
Dez tragadas de um vape equivalem a um cigarro convencional. O problema, frisa o psiquiatra, é que a absorção do vape é muito maior. “As pessoas fumam o vape o dia todo. Em termos de dependência, a nicotina só perde pros opioides. E tem uma abstinência muito forte”, alerta.
Legenda: Uso de vape por adolescentes cresce e preocupa pelo grande risco de dependência
Foto: Dragon Images/Shutterstock
Segundo o psiquiatra, os profissionais de saúde têm presenciado “quadros de abstinência nunca antes vistos, como tontura, síncope e agitação, quadros graves por causa do nível de consumo de nicotina e em pessoas muito jovens”.
Para tratamento, é preciso buscar ajuda especializada, na qual podem ser prescritas as “terapias de reposição” – uso de adesivos ou gomas de nicotina, além de medicação. Mas entre o público adolescente e jovens, outras alternativas têm sido testadas.
“Entre adolescentes e jovens, o uso de aplicativos tem performance até melhor que a tática farmacológica, até porque as medicações não são aprovadas para menores. Já essas ferramentas incentivam a abstinência, contam os dias em ‘ofensivas’”, exemplifica Castaldelli.
fonte diariodonordeste.com.br
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