Veja a nova série, o novo filme, a nova marca de sapato, de perfume, de camisa. Experimente a nova modalidade de esporte, o novo café, a nova garrafa térmica. Se quebrar, não precisa consertar: compre um novo, depois descarte também o novo para que outro novo venha. Bem-vindo à Neofilia, traço de personalidade de quem é obcecado por novidades.
A origem do conceito remonta ao início do século XX, quando pesquisadores começaram a investigar comportamentos humanos relacionados a novas experiências. Pessoas com predisposição à Neofilia tendem a ser mais abertas a vivências,a se adaptarem rapidamente às mudanças e a buscarem inovações constantes na vida pessoal e profissional.
Por outro lado, se você sente prazer e motivação em um primeiro instante e, logo depois, perde o interesse muito facilmente, vale analisar como esse comportamento influencia em seu cotidiano. É assim que a Neofilia age, o que evoca questões pertinentes: o que está por trás desse fascínio pelo novo?Por que buscamos novidades sem limites e como isso nos impacta?
A psicóloga clínica Maria Cecília Alvesaponta alguns caminhos de compreensão. Segundo ela, a humanidade só chegou ao nível de conhecimento que hoje possui devido à nossa curiosidade pelo novo. Mas essa curiosidade tem um fundo fisiológico. “Hoje sabemos que uma substância responsável por isso é a dopamina”, diz.
“Ela é liberada quando algo novo é interessante está na iminência de acontecer. Um exemplo disso é quando ficamos empolgados quando uma encomenda está chegando pelo Correio. A expectativa se torna até mais interessante do que a encomenda em si, por incrível que pareça”.
Maria Cecília AlvesPsicóloga
Esse movimento efêmero de expectativa pelo novo e rápido descarte tem nome. À luz da Psicologia, trata-se de habituação. Acontece quando um determinado sentimento é bastante forte e o cérebro tenta normalizá-lo para algo neutro. O que vemos atualmente, porém, é que o excesso de estímulo tem gerado um efeito “rebote”: no lugar de pessoas ultra motivadas, há pessoas entediadas e sem desejo de persistir nas atividades e nos relacionamentos, principalmente quando estes demandam mais tempo e energia.
“Isso está mais nítido entre crianças e adolescentes. O efeito também está ligado à baixa tolerância à frustração. Hoje temos tudo muito fácil ao nosso alcance. Entretanto, a valorização disso só tem diminuído. Adultos e adolescentes rolam o feed de redes sociais sem nenhum tipo de foco ou retenção de informação. Desistência rápida, irritabilidade, sensação de vazio e fracasso são reflexos no comportamento”.
Maria Cecília Alves acredita que o ponto principal do assunto tem a ver com controle de nossos impulsos. A Neurociência chama isso de Controle Inibitório. Antes de uma decisão, nosso cérebro precisa de um pouco de tempo para verificar qual a melhor alternativa naquele cenário. Uma vez que as novidades hoje se apresentam com muita urgência, temos dificuldade de tomar decisões com racionalidade.
“Uma estratégia inicial seria identificar se aquele comportamento está sendo impulsionado por uma emoção – principalmente empolgação. Emoções são passageiras, e muitas vezes, quando decidimos algo pelo emocional, podemos nos arrepender rapidamente. Eu sugeriria que esperasse um pouco antes de sucumbir à novidade proposta”, diz.
Legenda: Psicóloga acredita que o ponto principal do assunto tem a ver com controle de nossos impulsos
Foto: Shutterstock
Alguns minutos, horas e, em algumas situações, até mesmo o tempo de um dia ajuda a mente a racionalizar determinada decisão. A psicóloga sustenta ainda que cabem questionamentos: Por que quero tanto isso? É realmente necessário ou logo depois deixarei de lado? Será que não estou deixando algo realmente importante por causa desse novo estímulo que surgiu?
Psicólogo Doutor em Psicologia, José Clerton Martins amplia a discussão. Segundo ele, buscar o novo não deve ser visto como capricho ou fuga de nossos sentimentos, mas como chance de ampliar nossa autonomia e nos tornarmos mais livres em nossas ações. “É um convite para viver intensamente cada momento, reconhecendo a complexidade das nossas experiências e valorizando o aprendizado que vem a cada descoberta”, sugere.
Conforme pesquisa, somos moldados pelas épocas que vivemos, o que nos leva a rotular e classificar tudo ao nosso redor, frequentemente de acordo com as normas que dominam a sociedade. No entanto, é fundamental lembrar que cada um de nós tem a capacidade de questionar essas regras.
Não à toa, a reflexão proposta pelo estudioso é inspirada no filósofo holandês Baruch Spinoza (1632-1677), que sentencia: acolhamos o chamado para abraçar o novo, mas sempre com a consciência da importância de nos conhecermos e de conhecer o que cerca a fim de vivermos de maneira mais plena e consciente.
José Clerton também contextualiza a questão a partir da cultura do capital. Para ele, o sistema se sustenta na incessante busca por novidades. “As coisas não devem perdurar, tecnologias devem ser constantemente substituídas. Para que serve uma economia que opera com ferramentas obsoletas? Tudo deve ser novo e, de preferência, belo”, analisa.
A tecnologia, assim, redefine esse padrão, afetando tanto pessoas quanto aparelhos de comunicação, carros e meios de transporte. Marketing, design e a forma como moldamos nossas mentes e corpos se alinham, portanto, à Neofilia do nosso tempo.
Legenda: Na cultura do capital, tudo deve ser novo e, de preferência, belo, observa estudioso
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“O novo, por si só, não é um mal, mas a maneira como buscamos e incorporamos essa novidade pode direcionar a sociedade e os comportamentos para um lugar adoecedor, repleto de preconceitos e equívocos”. Por isso mesmo, a necessidade de considerar os dois aspectos.
De uma perspectiva positiva, o novo pode impulsionar a inovação e a criatividade, estimulando o desenvolvimento de soluções para problemas antigos. Em ambientes corporativos, por exemplo, empresas que promovem a Neofilia tendem a ser mais bem-sucedidas em cenários competitivos, pois buscam novas maneiras de engajamento.
A busca incessante pelo novo, entretanto, pode levar à certa superficialidade nas experiências e relações humanas. Ao nos concentrar demasiadamente no que é novo, podemos nos tornar incapazes de valorizar o que já temos, resultando em uma falta de apreciação pelos aspectos duradouros da vida. “Esse comportamento pode ser prejudicial tanto para a saúde mental dos indivíduos quanto para a coesão social”, situa José Clerton.
Em suma, a Neofilia – palavra de origem grega, na qual “neo” significa “novo”, e “philia” se traduz como “amor” ou “afeição” – é um fenômeno complexo que reflete a luta humana entre a necessidade de mudança e o desejo de estabilidade. O termo, que combina amor pelo novo com a busca constante por inovação, surge como força poderosa, e tende a continuar.
Atividades analógicas, ou seja,atividades que não envolvem tecnologiaou aparelhos digitais, são um bom começo para driblar os aspectos negativos da Neofilia. “Vale desde pequenas coisas, como ler um livro físico, escrever à mão e fazer atividades ao ar livre, até evitar usar celular quando estiver entre amigos”, enumera Maria Cecília Alves.
À lista, ela também acrescenta o risco de compras digitais, os tais “carrinhos”nos sites de vendas. A empolgação de comprar itens, muitas vezes desnecessários, é tentadora. “Precisamos resgatar rotinas mais estáveis, atividades prazerosas que não necessariamente sejam arrebatadoras, e nos acostumar com a tranquilidade, um domingo tedioso, em fazer uma atividade por vez, sem tantos estímulos digitais”, completa a psicóloga.
Legenda: Atividades analógicas são um bom começo para driblar os aspectos negativos da Neofilia
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Um pequeno desafio seria escolher uma rede social que você use muito e estabelecer um dia na semana sem usá-la. Isso, conforme a pesquisadora, já ajuda a liberar um pouco mais os estímulos desnecessários ao cérebro.
“Novidade pode ser sinônimo de progresso, avanços. O excesso dela tem trazido enfado e acomodação. Acontece que queremos novidades todos os dias em todos os campos da vida, mas se pudermos fazer mudanças menores e mais significativas, essas novidades deixam de ser passageiras e sem importância e podem se tornar mudanças reais na nossa vida”.
José Clerton conclui: “A Neofilia pode ser entendida como um afeto que motiva o desejo de conhecer e experimentar o novo. Essa compreensão é fundamental para que possamos desenvolver liberdade e autonomia. Lançamos o desafio de enxergar o novo não como uma obsessão ameaçadora, mas como uma oportunidade de crescimento e de nos tornarmos mais conscientes sobre nossas vidas e os sentimentos que orientam nosso bem-estar”.
fonte diário do Nordeste
escrito por Diego Barbosa
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