Entre a fofura e a criatividade, publicações como a famosa Bobbie Goods vão muito além do público infantil e despertam reflexões sobre importância do lúdico na vida cotidiana
Cachorrinhos, casinhas e muita, muita fofura. Com lápis e tinta na mão, públicos cada vez mais diversos estão voltando à prática de colorir livros. As publicações não apenas viraram best-sellers – ocupam o topo da lista da PublishNews desde fevereiro deste ano – como repetem um gesto cultivado há 10 anos, quando obras semelhantes estiveram em alta.
Criada pela artista americana Abbie Goveia, a série Bobbie Goods, da editora HarperCollins, atualmente é a mais famosa. O intuito dos livros, segundo a autora, é proporcionar “experiências de pintura nostálgicas, aconchegantes e divertidas para artistas de todas as idades”. São 20 páginas destacáveis para colorir – com possibilidade, portanto, de emoldurar a arte – um checklist de pintura e uma página para teste de cores.
“Cozy time” e “Comfy days”, ilustrados pela russa Aleksandra Bozhbova (Ciranda Cultural), são outros títulos na mesma esteira. A intenção parece clara: oferecer um passatempo para quem deseja redescobrir talentos ou, quem sabe, dar um tempo das telas por meio de algo totalmente manual e que flerta com a estética “cozy” (aconchegante, em inglês).
O mercado, claro, comemora. Maior rede de livraria do país, com 122 lojas, a Leitura já vendeu mais de 79 mil livros de colorir entre 1º de dezembro e 10 de março. Neste ano, as Livrarias Curitiba (24 lojas) registraram um crescimento de 958% na venda desses títulos, superando gêneros como autoajuda, suspense e negócios.
Aos 30 anos, a dentista cearense Mayara Cardoso é uma das que aderiram à tendência por meio, sobretudo, de conteúdos nas redes sociais. Vídeos de pessoas colorindo páginas fizeram-na lembrar da infância, quando passava horas na atividade. “Tinha parado de pintar e comprei os livros no início deste ano. Com isso, lembrei que gostava bastante de fazer isso, mas não pintava mais”, conta.
Até o momento, ela adquiriu livros apenas da já citada Bobbie Goods, e celebra o fato de os desenhos terem vários cenários diferentes. Não há uma rotina específica para a atividade. Mayara colore quando tem tempo livre, e faz sobretudo para relaxar. “Escolho algum cenário e começo a pintar, sem uma sequência específica. Pinto conforme o que me atrai”.
Criatividade, coordenação motora, concentração e relaxamento são os principais atributos da prática, segundo ela, o que a faz desconectar das obrigações do dia a dia e, claro, fugir das telas. “Pretendo continuar. A prática faz você querer melhorar cada vez mais sua pintura, seu desempenho. E eu achei um hobby bem prazeroso, então vou seguir praticando. Muitas amigas também relatam o mesmo, acredito que seguirão pintando também”.
À luz da Arte-Educação, é possível inferir por que obras dessa natureza têm feito tanto sucesso nos últimos tempos. Elas podem ser encaradas como um movimento de resistência subjetiva e sensível frente às pressões do mundo contemporâneo.
“Esse fenômeno revela um desejo crescente por práticas que promovam bem-estar, introspecção e expressão criativa, algo que vai ao encontro do que Ana Mae Barbosa chama de experiência estética mediadora, ou seja, um fazer artístico que educa o olhar, acalma e transforma o sujeito em sua relação com o mundo”, explica Rafael Ayres de Queiroz, psicólogo e professor do curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza - Unifor.
Legenda: Criatividade, coordenação motora, concentração e relaxamento são alguns atributos do colorir
Foto: Shutterstock
O pesquisador situa que vivemos em um contexto social marcado por estresse, hiperconectividade e sobrecarga emocional. Logo, é natural que as pessoas procurem práticas capazes de favorecer o relaxamento, a concentração e o contato sensível com o presente.
Nesse sentido, defende Rafael, o espaço escolar e educacional têm um papel central como espaço formativo que pode e deve resgatar o valor do tempo da criação, da contemplação e da escuta. Na visão dele, é o que vem ocorrendo nos intervalos de muitas escolas brasileiras.
“As empresas e organizações, quando adotam uma cultura organizacional que valoriza pausas reais e práticas criativas, não apenas cuidam da saúde mental dos colaboradores, mas também estimulam inovação, bem-estar e vínculos mais humanos no ambiente de trabalho”.
Rafael também situa que atividades manuais e criativas, a exemplo do colorir, são fundamentais para a mente porque ativam áreas do cérebro ligadas à imaginação, ao prazer sensorial e ao processamento emocional.
Elas funcionam como contraponto ao excesso de estímulos digitais e racionais, permitindo à subjetividade respirar, brincar e se reorganizar simbolicamente. Os efeitos podem ser sentidos a curto, médio e longo prazo, e cultivam no íntimo a necessidade de seguir buscando novas formas de persistir em meio à pressa implacável da rotina.
Abaixo, você confere uma lista criada por Rafael Ayres com os principais benefícios que atividades como colorir proporcionam:
Engana-se quem pensa que o lúdico refere-se apenas ao público infantil. No artigo “Educação infantil: o lúdico no processo de formação do indivíduo e suas especificidades”, de Maykon Dhonnes de Oliveira Cardoso e Letícia Alves Batista, os autores defendem que o termo faz parte de toda a história da humanidade, e está desde muito cedo entre nós.
Conforme escrevem, da cultura dos povos primitivos até o século VI, tudo era ensinado a partir da imitação, de forma que os ensinamentos eram passados de geração para geração sempre da mesma forma. Nesse período os jogos já existiam como forma de treinamento para a sobrevivência e, com o tempo, adquiriram diversas outras feições.
Legenda: Atividades como colorir funcionam como contraponto ao excesso de estímulos digitais e racionais
Foto: Shutterstock
A atividade lúdica, destaca o artigo, é indispensável para o ser humano, pois possibilita a apreensão de conteúdos de forma mais natural. Além disso, facilita a aprendizagem, o desenvolvimento pessoal, social e cultural, colabora para a saúde mental, prepara para um estado interior fértil e facilita processos de socialização, expressão e construção.
Rafael Ayres sustenta que crianças e adultos precisam do lúdico e do brincar. “A popularidade dos livros de colorir entre pessoas adultas mostra o quanto faz falta, na vida cotidiana, um espaço para criar sem pressa, sem cobrança, apenas pelo prazer de estar presente naquele gesto simples”.
Colorir é, nesse sentido, uma forma de desacelerar e se reconectar com algo essencial: o brincar como expressão de liberdade, imaginação e cuidado consigo mesmo.
Do ponto de vista das neurociências, é importante considerar um fato: quanto mais tempo de tela, menos tempo interagimos com o mundo real. Logo, ficamos longe de cores, texturas e do próprio contato social. "Isso impacta no desenvolvimento cerebral em todas as faixas etárias, mas, em especial, na infância e adolescência, que estão com o cérebro em desenvolvimento", analisa a psicóloga Amanda Barroso.
Não à toa, substituir o tempo no celular ou no computador por uma tarefa lúdica ajuda inclusive na autoestima. Segundo Amanda, ao pintar, por exemplo, você observa os resultados do que produz e pode até compartilhar com amigos, o que otimiza o modo como você se enxerga capaz de realizar atividades.
"Auxilia também no desenvolvimento motor (já que estão usando menos lápis e papel) e com a sensação estética (produzir algo bonito, agradável aos olhos), além de ser bom para socializar e conversar com amigos enquanto pinta".
fonte diariodonordeste
Escrito por
Diego Barbosadiego.barbosa@svm.com.br
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