13 X 4 pra mim

É um exercício antigo. Nem lembro quando começou. Se estou andando na rua, seja onde estiver, com quem estiver, pode ser dia claro ou noite de dar medo, tenho comigo um acordo: eu não desvio de homem. Não desvio. Quiser bater, bata. E batem. Tá vendo não o placar lá em cima?

Novidade mesmo é contar. Agora eu conto. De casa pra academia, dá pra cruzar entre quatro e sete homens. Saio quase
sempre invicta do percurso curto. Invicta de encontrões, olhares incrédulos e deselegâncias verbais ganho aos montes. De casa pro consultório é mais perto ainda, nem uma quadra, mesmo assim, esses dias perdi de 2X0.

Não é feiura minha não, mulheres que me leem sabem. Homens - quase todos, antes que salte um “ah, mas nem todo homem” - não se movem um único milímetro do caminho que traçaram pra si. Pode observar. A cena do pedestre é simbólica, porque diz de outras cenas. Somos nós, as mulheres, a deixá-los passar. Ainda que pra isso seja preciso sair da calçada, pisar em um buraco, se amassar contra um muro, há de estender tapete para essas criaturas.

Estendo não. O 13X4 é de ontem. Eram 7h da manhã, fazia calor em São Paulo, domingo. Fui buscar um pão na Fabrique; é subir a Angélica até a Sergipe e virar na Itacolomi, oito quadras só. A primeira que perdi foi ainda antes da Baronesa de Itu, quase no portão de casa. Moço com roupa de academia, cara de endorfinado, vinha no meio da calçada, ocupando, sem restrições, seu espaço no mundo. Eu, mais perto da rua. Aí vem um outro pela direita e me ultrapassa.

Aqui dois detalhes importantes: 1. Na cena dois homens precisam passar pelo mesmo lugar, há um acordo interno que determina que os dois desviem, se der, comprimentam-se com uma baixadinha de cabeça. 2. Na cena mulher e homem andam na mesma direção e velocidade, ele dará um jeito de ultrapassar, é quase como uma questão de honra. E pra esse caso, tenho outro exercício, não deixo. Nem que, no limite, precise correr, não deixo. Se tiver na bike é mais divertido ainda, lá vem eles impondo velocidade, lá venho eu botando as pernas pra funcionar.

Daqui, não passa. Mas eram 7h, e o não desviar se sobrepõe ao não deixar ultrapassar. Pois bem, o do meio vem pra esquerda e lá permanece, o outro passa, baixadinha de cabeça. O que fica me olha, sabe que ocupamos a mesma linha, caminha na certeza de que abrirei espaço.

Há tempo de sobra para ele voltar para o conforto do meio, eu sei e ele também sabe. Um passo, e outro, e mais um. Eu olho fixo pra frente, vai bater, vai bater, vai bater, penso. Ele no meu olho. A gente a 80, 60, 40, 20 cm um do outro. Batemos, peito aberto, que não desvio nem um milímetro. Ai, louca, não me viu não, foi?Doeu! Doeu foi? Ele, na altura dos seus quase 1,90m, fortinho de bomba, que eu sei, 30 anos, no máximo, me tirou por cega porque não fiz o que, na cabecinha dele, era o óbvio. Por cega não, por louca. Os outros 3 e os outros 13 deixo por conta da imaginação de vocês. E só digo uma coisa, o pão e o resto do dia foram ótimos. E mais, desviem não. Esse povo ainda tem muito o que aprender.

Roberta D'Albuquerque é psicanalista, atende em seu consultório em São Paulo e escreve semanalmente no Gazeta Digital e em outros 17 jornais e revistas do Brasil, EUA e Canadá. E-mail: contato@robertadalbuquerque.com.br