@crsf

Derrotar o capitão

JOSÉ DOMINGUES DE GODOI

Derrotar o capitão

As Instituições de Ensino Superior (IES) têm uma função determinante nos rumos do país, por sua capacidade e competências em comparação com outras instâncias do aparato de estado.

 

São importantes pelo seu papel na definição dos caminhos do desenvolvimento e por representar um local privilegiado da crítica e da criação do novo como resultado da pesquisa científico-tecnológica.

 

Os ambientes das IES permitem o entendimento do processo civilizatório como uma variável para a emergência de propostas alternativas e para a busca de rupturas com as formas tradicionais de olhar e responder as questões da sociedade humana.

 

Produzem, não apenas novas respostas para velhos problemas, mas principalmente novas perguntas para descobrir novos problemas, num ambiente de liberdade e de saudável subversão.

 

Contudo, o Brasil chegou às duas décadas do século XXI, marcado pelo desmonte de um projeto nacional e a implantação de um projeto de capitalismo transnacional, no dizer de Ianni, “na transição de uma nação em província”.

 

Ou, de forma mais explícita, abdicando de se tornar uma “nação soberana” para se manter como um “estado servil”, deixando para as gerações mais jovens, como opção, escolherem entre se tornarem escravos ou bandidos. Mais uma vez, verifica-se que o Estado pode transformar-se “em aparelho administrativo das classes dominantes; neste caso classes dominantes em escala mundial, para os quais os governantes nacionais se revelam simples funcionários”.

 

No que se refere à educação, houve um isolamento dos seus vínculos sociais e passou a ser vista como uma questão de gestão, tornando “os processos educativos mais atrativos aos investimentos transnacionais, à atuação de indústrias e prestadoras de serviços dos países centrais, que podem ampliar sua operação também na periferia do sistema – reproduzindo o ciclo de colonização científica, cultural e tecnológica”.

 

Não por acaso, a partir dos anos 1960, o Banco Mundial passou a atuar na área da educação, com prioridade para a formação de mão-de-obra especializada necessária ao processo de desenvolvimento da industrialização.

 

Dos anos 1990, até os tempos atuais, ao Banco Mundial se juntaram a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Representação do Governo dos Estados Unidos para o Comércio (USTR) e a Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), para reformarem a educação pública tendo como referência “...uma ideologia radical que tem uma desconfiança fundamental em relação à educação pública e uma hostilidade ao setor público em geral.

 

O movimento de reforma é na verdade um movimento de reforma empresarial, financiado em grande parte por fundações, gerentes de fundos hedge de Wall Street, empreendedores e o Departamento de Educação dos EUA. O movimento está determinado a cortar custos e maximizar a concorrência entre escolas e professores”.

 

É inquestionável a influência/interferência do Banco Mundial nas políticas educacionais do Brasil, incluindo as políticas para o ensino superior, que já vinham sendo sinalizadas desde o início dos anos 1980 e, que se explicitaram, de 1995 para cá, sugerindo formatações para as universidades sul-americanas como organizações sociais. Em especial, dois documentos marcaram e continuam orientando as decisões do MEC:

 

- “La enseñanza superior. Las lecciones derivadas de la experiência”, publicado em 1994 pelo Banco Mundial, e “Estratégia para o Setor Educacional - Documento Estratégico do Banco Mundial: a Educação na América Latina e Caribe”, de 1999.

 

Tais documentos, desde o governo FHC, até os dias de hoje, norteiam as decisões do MEC tendo como base a teoria do capital humano e as diretrizes relacionadas a diferenciação institucional, diversificação das fontes de financiamento, parcerias público-privadas, mercantilização do conhecimento. A educação se transformou em um negócio e, no caso do ensino superior, um negócio estimado em pelo menos de R$ 13 bilhões

 

UMA NOVA ELEIÇÃO

 

Chegamos a uma nova eleição geral no país, depois de 45 meses de destruição comandada pelo Presidente da República, filhos e equipe de governo. Certamente, no dizer de Ricardo Antunes, “não há, em nenhum outro momento da história mais do que secular da nossa República, nada que se aproxime à devastação tão profunda e tão agudamente destrutiva que estamos presenciando hoje...O culto da ignorância, na pior linguagem trumpiana, o desprezo e o combate à ciência, à saúde pública, tudo isso acabou por levar o país ao fundo do poço, tanto no plano sanitário quanto no econômico”.

 

O orçamento para a educação em 2022 é equivalente ao orçamento de dez anos atrás, o que compromete o funcionamento das IES, a qualidade do trabalho, a permanência dos estudantes e as condições de trabalho docente.

 

O governo federal cortou, em 27 de maio deste ano, R$ 3,2 bilhões, o equivalente a 14,5% do orçamento discricionário do Ministério da Educação. Este bloqueio significou para universidades e institutos federais um corte de R$ 2,22 bilhões.

 

Some-se a perseguição política no conteúdo das aulas, nas bibliografias indicadas para as disciplinas, no objeto dos projetos de pesquisa, dentre outras.

Como divulgado pelo Movimento pela Ciência e Tecnologia Pública (MCTP), faz parte da mesma política de sucateamento das IES o desmonte das instituições públicas de pesquisa: “assim, após corte de R$ 2,9 bilhões, ocorrido no início de 2022, recursos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) para este ano representam apenas 38% do orçamento de 2014. Esse corte compromete, além de outros programas de investimento em ciência e tecnologia, a sobrevivência de institutos de pesquisa.

 

A Fiocruz, por exemplo, que é uma das mais importantes instituições de pesquisa brasileira na área de vacinas, ligada ao Ministério da Saúde (MS), teve um corte de R$ 11 milhões em seu orçamento neste ano de 2022. Na Embrapa, ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o orçamento para 2022 terá um corte de R$ 43,8 milhões. É importante destacar que nos últimos anos a Empresa vem sofrendo sucessivos cortes e contingenciamentos do orçamento aprovado, o que tem provocado a descontinuidade de vários projetos de pesquisa”.

 

Para encarar "o diabo na rua no meio do redemoinho", precisamos resgatar "a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar" e, como primeiro passo, precisamos derrotar o atual governo não votando no capitão de plantão e nos seus aliados. É um passo inicial obrigatório na luta para recuperar e defender a universidade pública e a pesquisa científico-tecnológica pública.

 

E, frente ao cenário que estamos vivendo, mais do que nunca, precisamos nos organizar para ocupar as ruas, para abortar qualquer tentativa de censura à liberdade de pensar e de se expressar. Todos sabemos que teremos que remover uma quantidade, jamais vista, de escombros

 

Nas universidades públicas e nas demais instituições públicas de pesquisa científico-tecnológica, teremos que resistir contra qualquer restrição à sua autonomia e não ter medo de interpretar, preservar, reforçar, fomentar e divulgar as culturas nacionais e regionais num contexto de pluralismo e diversidade.

 

Teremos que reforçar, em ambiente de liberdade, nossas análises críticas e progressistas das novas tendências sociais, econômicas, culturais, científicas e políticas. Como diz um cordelista do Crato-CE, “A liberdade é um bem/ o maior do ser humano/educá-la e cultivá-la é um valoroso plano/Ensino Superior sem isso é só engano.”

 

Frente a propostas de mercantilização da educação, do avanço do ensino superior privado e das tentativas de privatização das universidades públicas, via cobranças de taxas, fundações de apoio de direito privado e outras, é importante resgatar que “Universidade rima com humanidade, com universalidade. A universidade não rima com empresa, com mercado, com acumulação de capital”, como ensinou o Professor Otávio Ianni. 

 

Que os novos governantes, não se comportem como o “leopardo” e não “façam modificações para tudo continuar do mesmo jeito”.

 

E que os demais, relembro, não votem no capitão e se mantenham vigilantes e dispostos a luta.

 

José Domingues de Godoi Filho é professor da Universidade Federal de Mato Groso/Faculdade de Geociências.

Faça um comentário // Expresse sua opinião...

Veja os últimos Comentários

Veja também

Jogos reúnem povos indígenas de Mato Grosso em território Erikpatsa até domingo (17)

Jogos reúnem povos indígenas de Mato Grosso em ter...

Os primeiros Jogos Indígenas de Mato Grosso tiveram início nesta quarta-feira (13.8) e prosseguem até domingo (17.8), na aldei...

Flamengo de Filipe Luís supera gigantes europeus em ranking; veja números

Flamengo de Filipe Luís supera gigantes europeus e...

Apenas um clube no mundo venceu mais jogos que o Flamengo de Filipe Luís. Desde que o ex-lateral-esquerdo assumiu...

Auditor suspeito de liderar esquema de propina da Ultrafarma era melhor aluno da turma no ITA

Auditor suspeito de liderar esquema de propina da...

O engenheiro Artur Gomes da Silva Neto, auditor fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de SP (Sefaz-SP) preso na terça-feira (12), &eacut...