Às vésperas de 2026, crise entre Michelle e os filhos de Jair Bolsonaro aprofunda rachadura em torno do trono da direita
Os rachas internos no clã Bolsonaro tornaram-se mais visíveis após a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro, que completa 10 dias em uma cela da Superintendência da Polícia Federal, em Brasília. A condenação a mais de 27 anos de prisão pela trama golpista tira o líder da família do jogo eleitoral, enquanto a esposa, Michelle Bolsonaro, e os quatro filhos mais velhos entram em fogo cruzado pelo espólio político da família.
A tensão entre os Bolsonaro ficou pública após o último fim de semana, quando Michelle Bolsonaro criticou a aproximação do diretório do Partido Liberal no Ceará com Ciro Gomes (PSDB), durante um evento partidário em Fortaleza (CE).
No discurso, Michelle repreendeu os aliados locais pela tentativa de aproximação com o ex-governador de Ceará, que já anunciou a candidatura ao cargo nas eleições do próximo ano.
“É sobre essa aliança que vocês [PL-CE] se precipitaram a fazer. […] Fazer aliança com o homem [Ciro] que é contra o maior líder da direita, isso não dá. […] A gente quer pacificar, quer ter a unidade, e a gente vê que a pessoa [Ciro] não levanta a bandeira branca. A pessoa continua falando que a família é de ladrão, é de bandido. Compara o presidente Bolsonaro a ladrão de galinha. Então, não tem como, não existe mais essa”, disse Michelle.
A fala da ex-primeira-dama contradizer diretamente o anúncio feito pelo deputado federal André Fernandes (PL-CE), presidente da sigla no estado, inflamou os dirigentes locais e expôs tensões internas no partido. No fim de outubro, Fernandes afirmou que Jair Bolsonaro havia dado aval ao apoio do PL à candidatura de Ciro Gomes ao governo do Ceará.
Após o evento, André Fernandes rebateu Michelle.
“A esposa do ex-presidente Bolsonaro vem e tenta chegar aqui e dizer que a gente fez uma movimentação errada, sendo que o próprio presidente Bolsonaro, no dia 29 de maio, com parlamentares, pediu para a gente ligar para Ciro Gomes no viva-voz. Ficou acertado que nós apoiaríamos Ciro Gomes”, declarou à imprensa.
A repercussão, porém, foi ainda mais ruidosa entre os filhos de Bolsonaro. Flávio Bolsonaro (PL-RJ) foi o primeiro a repreender a madrasta. Ao Metrópoles, por meio da coluna de Igor Gadelha, o senador afirmou que a fala de Michelle foi “autoritária e constrangedora.”
“A Michelle atropelou o próprio presidente Bolsonaro, que havia autorizado o movimento do deputado André Fernandes no Ceará. E a forma com que ela se dirigiu a ele, que talvez seja nossa maior liderança local, foi autoritária e constrangedora”, disse o filho mais velho de Jair Bolsonaro à coluna.
De acordo com Flávio, a estratégia por trás da aproximação com Ciro tem caráter pragmático e foi autorizado pelo pai: como Ciro é pré-candidato ao governo e não deve servir de palanque para Lula, a aliança abriria “uma janela de oportunidade para diminuir a força local de Lula para presidente”. A avaliação contraria diretamente a crítica feita por Michelle.
Em seguida, os filhos 02, 03 e 04 – Carlos, Eduardo e Jair Renan Bolsonaro – saíram em defesa do irmão e, consequentemente, em ataque à madrasta.
Para o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), Michelle “atropelou” Jair Bolsonaro. “Meu irmão Flávio Bolsonaro está certo e temos que estar unidos e respeitando a liderança do meu pai, sem deixar nos levar por outras forças!”, escreveu no X. O também vereador Jair Renan Bolsonaro (PL-SC) republicou o post.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) ainda defendeu a postura de André Fernandes. “Foi injusto e desrespeitoso com o André Fernandes o que foi feito no evento. Não vou entrar no mérito de ser um bom ou mal acordo, foi uma posição definida pelo meu pai. André não poderia ser criticado por obedecer o líder”, afirmou na mesma rede social.
Até a publicação desta reportagem, Valdemar Costa Neto, presidente nacional do PL, não havia se posicionado publicamente sobre a situação envolvendo os correligionários.
O episódio escancara a maior fissura pública já vista dentro do bolsonarismo desde 2018. A divergência aberta entre Michelle, Flávio, Carlos e Eduardo ocorre num momento de fragilidade inédita, com Jair Bolsonaro preso em regime fechado na Superintendência da Polícia Federal e impossibilitado de arbitrar conflitos internos.
Até então, os desentendimentos públicos de Michelle dentro do clã tinham Carlos Bolsonaro como principal protagonista. Desde 2022, os dois acumulam episódios de atrito.
Carlos, responsável pela comunicação digital da campanha do pai nas eleições de 2022— como já havia sido em 2018 —, não gostou do espaço crescente dado pelo PL à então primeira-dama. A tensão se tornou pública quando o vereador deixou de seguir Michelle no Instagram de Jair Bolsonaro. Ela retribuiu o unfollow.
Em março deste ano, Michelle afirmou ter “perdoado” o filho do ex-presidente por brigas do passado, mas reforçou que prefere “manter distância” e que é “obrigada a conviver”.
Duas semanas antes, o próprio Jair Bolsonaro afirmou que a esposa não falava com o filho e sugeriu que a questão era “algum problema de ciúme”.
Em julho do ano passado, outro episódio expôs o mal-estar entre Carlos e Michelle. O vereador demonstrou desconforto ao ver Jair Bolsonaro posar para uma foto ao lado de Michelle e da filha do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG). Ao comentar a postagem, Carlos disparou: “Legal o cara fazer isso com sua filha e com a minha não! De qualquer forma, parabéns sempre, grande Nikolas”. Segundo apuração de Bela Megale, do O Globo, Carlos atribuía à madrasta o distanciamento entre Bolsonaro e a neta, Júlia, filha do vereador com a economista Martha Seillier.
A reação de Flávio, Eduardo e até mesmo Jair Renan Bolsonaro — ao contrariar abertamente Michelle e defender a articulação política autorizada pelo pai — marca uma mudança de cenário. Até então neutros no embate familiar, pela primeira vez, os quatro filhos homens se alinham contra a madrasta em um confronto público.
A disputa por quem vai ocupar o lugar deixado por Jair Bolsonaro em 2026 já se desenrola nos bastidores da direita. Sem um líder absoluto capaz de unificar as diversas alas bolsonaristas e sem uma orientação clara — que aliados dizem aguardar —, o campo conservador vive um vácuo de comando.
De um lado, Michelle Bolsonaro tenta se projetar como herdeira natural do capital político do marido. Ela tem forte apelo entre mulheres, evangélicos e nas redes sociais, e é vista como a figura mais capaz de manter viva a marca “Bolsonaro”. Nas pesquisas de intenção de voto, ela aparece como uma das principais adversárias do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Dentro do clã, Eduardo Bolsonaro já se colocou como possível presidenciável para 2026. No entanto, o nome dele acabou desgastado por uma sequência de polêmicas — como o tarifaço dos Estados Unidos sobre produtos brasileiros — e investigações judiciais, que podem inviabilizar uma candidatura. As pesquisas eleitorais também mostram o filho 03 com pouca intenção de voto e uma rejeição alta.
Além do embate com Michelle, Eduardo não poupa críticas ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), um dos nomes mais cotados para a disputa presidencial de 2026. No última ataque, realizado pelas redes sociais na semana passada, Eduardo disse que apoiaria Tarcísio em uma eleição contra Lula, mas insinuou que o governador de SP tira “proveito da tortura feita contra meu pai”. “Tarcísio é o candidato que o sistema quer”, escreveu.
A gestão de Tarcísio é vendida como eficiente e moderada, atributos valorizados por setores da direita que desejam se afastar das crises e investigações que atingem a família Bolsonaro. Ainda assim, Tarcísio teme romper abertamente com o bolsonarismo, o que poderia custar sua base mais fiel.
Se antes o campo da direita orbitava de forma disciplinada em torno de um único nome, hoje vive uma corrida silenciosa para definir quem conseguirá preencher o espaço deixado pelo líder preso — tarefa que, até o momento, não foi definida.
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