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Presos sem condenação têm direitos vilipendiados em MT

POLÊMICA

Presos sem condenação têm direitos vilipendiados em MT

Haroldo Assunção | Especial para o RBMT

 

"Fomos humilhados pelos policiais penais, ficamos em 12 pessoas numa cela menor que três metros quadrados, junto com urina de ratos, gatos, formigas e alguns até sem chinelos porque quando chegamos os policiais tomaram de nós". 

 

A situação descrita - que beira as raias dos maus tratos, quiçá tortura até - dá uma dimensão da violação a direitos humanos cujo palco seria o "raio 8" da Penitenciária Central do Estado (PCE), para onde foram transferidos presos sem condenação após o fechamento dos Centros de  Ressocialização da Capital - “Antigo Carumbé” – e de Custódia da Capital (CCC), por ordem do governador. 

 

Em carta a familiares - à qual a reportagem teve acesso - os detentos transferidos denunciam as condições precárias do cárcere, bem como o vilipêndio a direitos elementares assegurados textualmente pela Lei de Execuções Penais, assim como pelo Código de Processo Penal. 

 

"Estamos sendo tratados sem o menor respeito, sem direito, de remissão, estudo, trabalho, perdemos todos os nossos direitos adquiridos no Centro de Custódia", na carta. 

 

Na carta, presos apelam às mães e esposas para que peçam socorro ao Poder Judiciário, além de comunicar a ilegal situação do cárcere a quem de Direito – o titular da 2ª Vara de Execuções Penais, juiz Geraldo Fidelis e o responsável pelo Grupo de Monitoramento do Sistema Carcerário de Mato Grosso, desembargador Orlando Perri.     

 

CELA ESPECIAL

A ilegalidade materializada na transferência dos graduados em curso superior que estão encarcerados por força de prisão processual (flagrante delito, provisória ou preventiva) para o famigerado "raio oito" na Penitenciária Central do Estado vai além - e acintosamente ignora o direito a cela especial, assegurado pelo Código de Processo Penal àqueles que possuem formação acadêmica. 

 

A violação à lei é reconhecida no próprio Sistema Prisional. 

 

Narram os presos que no dia 19 de janeiro, depois de receber "frango estragado" na marmita do almoço, foram à tarde para a triagem, atendidos por assistente social. "Ela nos informou que aqui não tem lugar para nós, e não sabe por que estamos no raio de segurança máxima", relatam. 

 

De outro lado, o próprio Executivo tem ciência da ilegalidade - que fere inclusive ao preceituado pela Secretaria de Segurança Pública na Portaria nº 186/2022/GAB-SESP/SESP, que "dispõe sobre a regulamentação de rotina e procedimento de transferência e inclusão de presos no Raio 08 da Penitenciária Central do Estado". 

 

PERIGO DE MORTE

Publicada no Diário Oficial aos 09 de setembro do ano passado, a normativa define objetivamente - artigo 2º, parágrafo único - a quais presos é destinada a ala de segurança máxima da PCE, sob o rigor do regime disciplinar diferenciado: 

 

"Por suas características físicas e de localização, destinam-se à custódia provisória ou execução de pena privativa de liberdade de presos considerados de alta periculosidade, que possuam participação em facções criminosas, que possam ser objeto de resgate ou arrebatamento, que possuam atuação de liderança negativa, violenta ou de extorsão, entre outros crimes, perante o restante da massa carcerária, de forma que seja evitado o engendramento e a organização de crimes a serem praticados dentro e fora do ambiente carcerário, bem como, a organização e custódia de presos sob severa ameaça de morte ou que, pela impossibilidade de convivência ou pela sua condição pessoal, estejam com indícios de atentados contra a sua vida". 

 

Sequer a integridade física pode o Estado garantir, temem. 

 

"Estamos juntos com presos comuns, em regime RDD, sem direito a compras, sem ventilador, cela escura, cheia de mosquito da dengue, banho de sol está sendo mesclado, tem dia tem normal, tem dia não tem, as refeições são pagas em horários distintos, estamos passando fome, sem roupa, sem chinelo... Alguns estamos com nossos direitos restritos ao regime mais severo que esta cadeia tem, aqui tem preso de facção que a qualquer momento pode tentar contra nossas vidas", alertam os detentos na carta às mães e esposas. 

 

Também teriam sido ameaçados por policiais penais. "Pedimos para ir ao médico, o policial disse que era para parar de gritar pois não tem médico e aqui é raio de segurança máxima, se não parasse de chamar eles iriam chamar contenção para jogar gás de pimenta em nós. Estamos sofrendo tortura psicológica", acusam. 

 

SEM PLANEJAMENTO

O advogado Leonardo Nunes Bernazzolli - presidente da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB/MT - denuncia a falta de planejamento para a transferência dos presos após o fechamento dos Centros de Ressocialização (CRC) e Custódia da Capital (CCC), vulgo "Antigo Carumbé". 

 

"O fechamento neste início de ano não foi comunicado aos 'atores envolvidos' e sequer planejado de forma adequada pelo Poder Executivo; todos nós fomos tomados por surpresa, uma vez que não havia um preparo prévio para que outras unidades recebessem um contingente maior de segregados", acusa. 

 

Bernazzoli é taxativo ao afirmar a inexistência, na estrutura carcerária de Mato Grosso, de unidade prisional no qual o Estado atenda às condições da prisão especial, conforme assegura a lei. 

 

"Tanto a Agamenon, quanto a PCE, não possuem a estrutura que as duas unidades fechadas tinham, principalmente no quesito de ressocialização", assinala. 

 

INEXPLICÁVEL SILÊNCIO

Não obstante o posicionamento externado pelo presidente da Comissão de Direito Processual Penal e Processo Penal da OAB/MT, a instituição ainda não manifestou expressa contrariedade acerca da ilegal situação - inexplicável, em particular, o silêncio na Comissão de Direitos Humanos. 

 

Apesar da inação institucional, militantes da advocacia mato-grossense não se furtam a honrar o ofício em destemido e diametralmente contrário enfrentamento ao Poder Executivo - assim como no justo questionamento à aparente letargia do Judiciário. 

 

O advogado Artur Barros Freitas Osti acusa flagrante ilegalidade. 

 

"Não só a transferência de presos do CCC para o Raio 8 da PCE, como também a manutenção de presos da própria PCE naquele raio, é manifestamente inconstitucional; manter alguém recolhido em cela individual, por 22 horas diárias, afronta não só a Constituição Federal, como também tratados internacionais afetos à execução da pena dos quais o Brasil é signatário", argumenta. 

 

"É contraditório alocar detentos com direito a cela especial no raio que deveria ser destinado aos bandidos mais perigosos; pessoas a quem deveria ser assegurada cela especial, nos termos da lei, sequer presos em definitivo, acusados da prática de crime sequer cometidos mediante emprego de violência, estão recolhidos em regime prisional mais grave do que aquele no qual estariam se não tivessem direito à cela especial", sentencia. 

 

HABEAS CORPUS

Os advogados Artur Barros Freitas Osti, Filipe Maia Broeto e Pedro Henrique Marques ingressaram com habeas corpus coletivo em favor de todos os presos detidos no “Raio 8” da Penitenciária Central do Estado (PCE). O pedido está sob relatoria do desembargador Orlando de Almeida Perri, da Turma de Câmaras Criminais Reunidas. Uma liminar deve ser analisada nos próximos dias. 

 

"Por todo o exposto, requer-se seja concedida medida liminar para determinar à autoridade coatora que suspenda a vigência da Portaria nº. 186/2022/GAB-SESP/SESP mantendo no “Raio 08” da Penitenciária Central do Estado de Mato Grosso as mesmas regras de funcionamento que vigoram em todos os demais, sem limitação do banho de sol, sem limitação às visitas, sem a monitoração de conversas com familiares e advogados, permitindo a entrega de alimentos aos presos em dia de visitas e, por fim, abrindo espaço para que todos, se assim desejarem, sejam incluídos em frentes de trabalho e estudo na Unidade Prisional", pedem os advogados.

 

 

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